quinta-feira, novembro 26, 2009

A miséria de uma vida sem dor

Uma vida sem dor? Parece um sonho, mas... que pesadelo!!!

No último globo repórter, transmitido no dia 20/11, mostraram o caso de uma mulher que nunca sentiu dor. Marisa Martins, de 23 anos, moradora de uma pequena cidade no interior de São Paulo, contou que nunca sentiu dor de dente, dor de cabeça, dor de barriga ou dor nas costas. "Pode pegar uma faca e me cortar que eu não sinto", afirma.



Na UFPA, a cada semestre nos cursos em que ministro aulas (biologia, biomedicina e medicina), meus alunos lêem um "box" de especial interesse no livro texto de neurociências (Mark Bear - Artmed) que tem o mesmo título desta postagem.

Estamos, na verdade, nos referindo a uma condição denominada insensibilidade congênita à dor ou simplesmente analgesia congênita, em que a pessoa não é capaz de sentir dor física, que se manifesta desde o nascimento.

A dor é a maneira pela qual nosso corpo nos informa que algo está errado. Se você tocasse distraidamente, por exemplo, um pedaço de brasa em um churrasco de sua turma, e não sentisse nada, você iria ficar com sua mão repousando ali. Imagine toda a lesão que você iria causar à sua mão. Quando alguém desenvolve apendicite manifesta sensação de dor na região abdominal vizinha ("dor referida") e assim você resolve procurar um médico, que pode fazer o diagnóstico e tratá-lo. Se não sentisse dor, seu apêndice iria estourar e você poderia morrer. É a dor que nos baliza os limites, portanto.

Esta doença é hereditária e muito rara. Nos Estados Unidos, existem cerca de 35 pessoas com a doença. No Japão, uma sociedade "homogênea", existem cerca de 200 casos. Não consegui encontrar epidemiologia confiável no Brasil.

Nos anos 1980, progressos na histopatologia neural permitiram demonstrar que esta insensibilidade era quase sempre uma manifestação de neuropatias autonômicas e sensoriais hereditárias envolvendo fibras nervosas de pequeno calibre (A-delta e C), que normalmente transmitem "inputs" nociceptivos ao longo de nervos sensoriais. Recentemente, mutações do gene que codifica um tipo de canal de sódio dependente de voltagem (Nav1.7) -- preferencialmente expresso em nociceptores periféricos e gânglios simpáticos -- foram definidas como a causa da analgesia congênita em pacientes que mostravam biópsia normal do nervo.

Não tenho a pretensão de esgotar o assunto aqui, por isso deve bastar dizer que o exposto acima reflete apenas uma das muitas condições que envolvem perda de sensibilidade à dor. Existem muitas variações sobre o mesmo tema, mas espero que o resumo sirva para acirrar a curiosidade.

Aristóteles já dizia: 'We cannot learn without pain.'

Inté.

Quer ler mais? Uma boa referência (em inglês, sorry) está em:
Nature 444, 894-898 (14 December 2006) - An SCN9A channelopathy causes congenital inability to experience pain.

terça-feira, novembro 24, 2009

Promessa de campanha


Durante a última semana, quando ocorreram as eleições no ICB, depois de mais de doze anos sem pleitos, relembrei meus tempos de movimento estudantil. Pude lembrar dos projetos de pichação, elaboração de cartazes e faixas no CABIO e no DCE de que participamos eu, Rassi (hoje no Teatro), Fátima (onde andará?), Róbson (anatomia da UEPA) e tantos outros. A atmosfera ainda era muito pesada, o ar ainda tinha traços da ditadura, da opressão, que ainda chegamos a experimentar, mas foram anos impagáveis, que passaram rápido demais.
Enfim (back to reality), para divulgar a chapa intrometida em que nos metemos, eu e Marco Antonio, para disputar as eleições à Direção da Faculdade de Ciências Biológicas, resolvi agitar umas camisetas (felizmente não deu para quem quis, o que era um bom sinal de que podia dar "zebra").
Prometi a umas pequenas alunas da turma de licenciatura-2009 (manhã) que se a zebra levantasse vôo iria utilizar o lay-out para imprimir mais algumas camisas - claro que sem os nossos nomes na frente. Uma semana depois, e depois da "zebra ter voado", recebi a arte final hoje, encomendei a tela e daqui a alguns dias vou ter algumas camisetas para sortear entre os alunos (todos, não apenas da reduzida turma de seguidores que consegui). O que acham? Como não há mais tempo para sugestões (a turma já tava achando que era só mais uma conversa de eleição), qualquer idéia ou crítica fica valendo para uma próxima, valeu?

Postagem #01

Neste post #01, queria dizer a que me proponho. Gostaria de falar de atualizações em neurociência, de uma maneira menos formal, utilizando-me de notícias recentes publicadas nas revistas de divulgação e em outros sites e blogs que tratam do assunto. Como costumo dizer em minhas aulas, a tentativa é de traduzir para o português o que é publicado subtraindo a maior parte do sotaque neurocientista mais elaborado.
Para não ficar chato, também gostaria de falar sobre atualidades da UFPA e do ICB (Instituto de Ciências Biológicas), que irão tornar o que é postado mais próximo dos estudantes, técnicos e professores do ICB e adjacências, ajudando a conseguir seguidores e comentários.
No final, acho que vai dar vontade de falar de muita coisa.
Então, tá combinado. A fim de honrar o título presunçoso do blog - NEURAL, vou falar sempre de algum assunto interessante que diga respeito ao estudo do cérebro, das emoções e do comportamento. Mais do que isso, não vou estabelecer muitos limites e falar sobre... o que me der na telha.
Vamos ver se vale a pena para mim e para vocês.
Inté.

PS: Para criar o logo do blog, me servi de uma visualização do encéfalo humano com uma técnica chamada DTI (diffusion tensor imaging). A técnica permite mostrar os inúmeros tratos de fibras nervosas que cruzam o plano médio-sagital. Não parece um modelo maluco de penteado punk?